quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Os abelhões andarão à nora?


Confesso que nunca me dei conta de ver quer no Outono tardio quer no Inverno os Bombus à procura de um buraco, presumo que para hibernar.

Não sei se são abelhas-mestras, mas grandes, lá isso são.

Hoje li numa revista inglesa que no Sul da Grã-Bretanha os craques da região dizem que ainda andam a polinizar nesta altura do campeonato.

Uma coisa sei: as que vejo todas as semanas, isoladas, não andam nessa vida. Se tivesse um quintal, ia construir um artifício para elas se acomodarem. Vejo uma, lembro-me logo disso.

Por muito que se puxe os galões das libélulas, a antiguidade do seu modelo morfológico, etc., nunca chegarão aos calcanhares dos apídeos, carago! São predadores, não polinizam...

Aos abelhões ninguém liga. Eu cá nem sei distinguir espécies com 100% de certeza: quando muito, sem vínculo científico, era capaz de atirar um nome de espécie com 5 a 10% de convicção.

E lá andam eles, os abelhões, corpos peludos sem serem mamíferos, em busca de um lugar confortável e escuro. Para que na Primavera possam refazer colmeias e servir na reprodução de inúmeras espécies de plantas...

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Quando os golfinhos passam perto

Emergem da água sem anúncio.
Primeiro é a expectativa criada pelos saltos de há pouco.
Ora se aproximam, ora se distanciam. Mas aquela curva de corpos que renunciaram à terra e ao padrão visual dos mamíferos une-os e faz deles uma maravilha.

Depois são amistosos. Mas que ninguém se engane: são animais selvagens.
De alguma forma há histórias recentes e antigas segundo as quais os golfinhos adoptam complexos comportamentos de protecção a humanos, em pleno mar, quando estão a ser sondados por tubarões de grande porte.
Os cetáceos fazem uma leitura de grei e adoptam estes mamíferos tão estranhos que para eles devem ser os seres humanos.

Dotados de ultra-sons e de sentidos que nos escapam, houve tempo em que andaram no rio Douro, como conta a minha mãe de 79 anos feitos, quando desfiava memórias de criança.
Hoje, há os que andam no estuário do rio Sado, e guardá-los-ei sempre na memória, há uma quinzena de anos, numa altura em que atravessei para Tróia de ferry-boat. A eles, os golfinhos, e à nuvem de alforrecas que nadavam na corrente, numerosas, diáfanas, no céu da água fendido pelo casco.


Veja mais:

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Sem ninguém as perceber

Cinzentinha, Leptotes piritohus


Andar pelas ruas do Porto em meados de Outubro tem destas coisas: uma a uma, vão-se vendo as pequenas borboletas migradoras à procura de brisa mais tépida.

Não é que esteja frio. Mas lá mais para norte, as noites devem andar mais frescotas e as cinzentinhas, Leptotes pirithous,da família dos Licenídeos, devem ressentir-se. Por isso hoje elas andavam uma a uma pela cidade, denunciadas pelos raios de sol, tantas vezes passando à frente do nariz de pessoas preocupadas com outras crises... que não as destes insectos.

Entre a minoria de borboletas capazes de enfrentar o nosso Inverno, esta não costuma ir lá das pernas, o que não acontece por exemplo com a almirante-vermelho, Vanessa atalanta, que hoje também vi, num exíguo canteiro florido à sombra, na Rua Gonçalo Cristóvão, no Porto.

Entre estas borboletas migradoras contam-se as borboletas brancas das couves. Não vi nenhuma em 20 minutos de passeio multiplicados por quatro entre as Antas e rua antes referida. Não acredito que faltem tantas hortas nos quintais ocultos por onde passei, ou outras plantas silvestres, da família das crucíferas. Mas não vi.

Amanhã não repito as caminhadas, nem para a semana. Por isso, lá andarão as migradoras mais invisíveis do que nunca, num bater de asa à procura de melhores dias.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Tartarugas marinhas seguidas por satélite

A ideia de inserir 3 tartarugas marinhas, uma delas creio que com 30 anos de cativeiro, num programa de reabilitação com seguimento via satélite é no mínimo muito interessante.

Sobretudo pela mão do Zoomarine, no Algarve, este projecto virá provavelmente trazer elementos úteis a uma melhor compreensão da complexidade da natureza. É possível, diz-se, seguir pelo site da SIC ON-LINE as deslocações deste 3 répteis marinhos.

Ultrapassando perigos como redes à deriva onde se enredam e sufocam (têm pulmões!), plásticos que confundem com alforrecas de que se alimentam e que as matam por obstrução do aparelho digestivo, captura ilegal, etc., seguir por ano e meio as suas deslocações enriquecerá o pouco que se conhece a seu respeito.

Acredito que com tantas armadilhas mortais a vagarem pelo oceano, não será difícil irem perecendo mais tarde ou mais cedo.

Entretanto, certo é que irão permitindo obter muita informação.

Depois há muitas perguntas, e algumas saltam em catadupa: até que ponto o cativeiro prolongado destes répteis marinhos pode apagar/atenuar instintos vitais à sobrevivência em liberdade? Terão rotas migratórias regulares, assim como ocorre com algumas aves e alguns insectos? Conseguirão reproduzir-se? Reaproveitarão as correntes marinhas como recurso a orientação e poupança de energia? ...

Confesso que ainda não li o artigo todo. Hei-de ler em breve.

Mas como a notícia já baila por aí, aqui fica um apontamento para despertar interesse...

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Uma aranha das rijas

Bem, acho que a primeira que me apercebi da teia que ela teceu no retrovisor do carro foi em Julho, quando fui de férias.

Achei que alguns quilómetros de auto-estrada lhe imporiam fazer as malas.

Quando regressei, verifico que a teia estava reconstruída.

Vamos em meados de Setembro e a odisseia continua. Terei feito com esta viajante clandestina quantos quilómetros? Três mil? Talvez.

É certo que já choveu um dia, e mais certo ainda que não levei o carro ao banho.

Será preta, castanha, amarela às riscas? Não faço ideia. Só vejo por vezes a teia destruída pelo vento, no dia seguinte refeita, como nova.

Se puxar pela memória, o carro anterior também chegou a ter musgo na borracha de encaixe do vidro. Não me repugnava, achava engraçado.

Como não percebo nada de aracnídeos, pergunto-me se deixará descendência detrás do espelho. Que há-de morrer este Outono parece-me certo, se for esse o ciclo de vida. Até lá, com alma de navegante, lá anda ela para trás e para frente, ao sol, ao luar e à chuva, como se o carro tivesse sido feito para ela, e o espelho retrovisor para nada mais servisse do que para lhe servir de lar...

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Quando os morcegos...

Bem, eles não são propriamente ratos com asas.

Mas são um exemplo impressionante das voltas que as espécies dão quando querem conquistar a atmosfera ou os oceanos, neste caso como os golfinhos e cetáceos em geral.

Não só transformam os membros - os morcegos fazem das mãos asas, os cetáceos barbatanas - como se lançam à conquista de novos sentidos, tais como o domínio dos ultra-sons.

Trrrrrrr-trrrrr-trrr-tr-r-r-r-r-r... pimba!

Lá foi a borboleta nocturna, mas nem sempre.

O som dos aparelhos detectores de ultra-sons denuncia a sua presença, e o seu espectro aponta espécies diferentes quase sempre. Fielmente.

Mas tudo isto é dinâmico. Nada está acabado. Os morcegos seguem a especializar-se, a esgrimir a evolução dos seus talentos, mas as presas também não ficam a dormir: algumas borboletas da família dos piralídeos, por exemplo, pressentem a aproximação dos predadores e, na iminência da fatalidade, deixam-se cair, livremente, e frequentemente escapam, uma técnica talvez mais recente do que a do voo irregular, amalucado, que muitas borboletas diurnas também recolhem para escaparem dos sucedâneos solarengos, de outro grupo: as aves, no caso as andorinhas, por exemplo.

No Outono, os morcegos têm de engordar. A hibernação não é um luxo, é uma necessidade, já que não há alimento no Inverno.

É deixá-los comer e depois deixá-los dormir. Temos ainda muito para aprender também com eles...

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Adoptar o troço de um rio ou de uma ribeira

Rio Alva


Numa acção da Ciência Viva no Verão, no Nordeste, nas margens do rio Azibo, o projecto Rios é apresentado sucintamente.

Com início em Espanha, há uma década, consiste na possibilidade de um cidadão qualquer «adoptar» o troço de rio ou ribeira que deve visitar periodicamente ao longo dos mesmos 500 metros. Para auxiliar a tarefa é fornecido um kit didáctico. Depois há que fazer registos.
Se bem entendemos, há alguns rios com alguns dos seus troços adoptados, como o Maçãs, o rio Sabor, o rio Anços e o rio Minho.

Oficialmente, «o Projecto Rios é um projecto que visa a participação social na conservação dos espaços fluviais, procurando acompanhar os objectivos apresentados na Década da Educação das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável e contribui para a implementação da Carta da Terra e da Directiva Quadro da Água.»

Ou seja, «pela metodologia que utiliza, pretende promover a curiosidade científica e implementar o método científico experimental, através da recolha e registo de informações e dados geográficos, físico-químicos, biológicos, eventos históricos, sociais e etnográficos, contribuindo assim para a melhoria do espaço estudado e da qualidade fluvial global».

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Fora de tempo

Flâmula, Iphiclides feisthamelii

Hoje foi o último dia de férias urbanas.
A distância, depois de levar o mais novo à escola, o computador sorve-me a atenção. Revolto-me. O sol chama-me a atenção nestas dez horas de manhã de Maio, terça-feira.

O Parque de S. Roque, no Porto, está próximo. Depressa chego lá.
Passado o portão de chapa, pintado de verde, nem a invasão de eucaliptos desmerece a luz coada pelas folhas das árvores de folha caduca, agora vestidas de um verde singular. Um lódão, um pseudoplátano, um loureiro juvenil…

O rio Douro vê-se ao longe, majestoso. Sem que o distinga, um estorninho canta à maneira da espécie. Terá ninho nalgum buraco de árvore próximo que não descortino?
A calçada desce batida a granito. As manchas de sol chegam ao solo e o tempo já pede manga arregaçada.

As malhadinhas andam à sombra, abrigadas dos espaços abertos. Mais comuns que estas borboletas castanhas são os melros. Os relvados verdes banhados de sol expõem-nos. Não se importam estas aves. Será a pressão de conseguir alimento para as crias no ninho, a expressão corporal inofensiva do humano que passa quando o parque recebe apenas duas turmas de infantário de crianças de 4 anos? Se parasse e os olhasse fixamente voariam depressa.

O parque tem muros de granito ainda sem cimento que os conspurque. Plantas como as heras, as cimbalárias, alguns fetos colonizam-nos e servem de habitat para diversos insectos, anfíbios e répteis. Não será de desdenhar que alguma ave, como um casal de chapins-negros, ali faça ninho.
Cá em baixo, o lago de jardim onde nadam peixes vermelhos está ainda à sombra. No topo de uma árvore mais alta, ao sol canta um verdilhão. O ninho está perto!

À minha esquerda voa uma das grandes borboletas da nossa fauna: a flâmula. Às vezes parece que nem precisa de bater asas para iludir a gravidade.
Por vezes, passa-se num habitat que, com um arranjo mais rural, propiciaria a presença do lagarto-de-água que, mesmo assim, pode por ali existir, bem como o sardão-ocelado, bem maior.
Alguns sobreiros falam de um incêndio que terá havido, árvore prodigiosa da bacia do Mediterrâneo, grande sobrevivente e alma do montado, que domina no Alentejo.

Não levei máquina fotográfica. Mas o património traz a memória, que retém imagens. Herança da espécie humana que lhe ofereceu eficácia de sobrevivência, agora que o sol nem com as manchas de cimento deixa de dar vida à Terra.

Ao subir vejo um cartaz com as aves mais habituais dos parques portuenses. Curiosamente muitas das que vi mais facilmente não constam e constam outras que dificilmente verão os visitantes. O mesmo para as árvores, se pensar no painel colocado perto da entrada.
2009-05-05, Jorge

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Jardins verticais e de telhado

Caramulo, muro rústico: não tardará
a cobrir-se de plantas espontâneas, muitas
delas semeadas pelas aves que ali pousam.


Quando se deu por ela, já o crescimento das cidades estava descontrolado.

Desbravados bosques para construir a urbe, todos evitaram dar lugar obrigatório às plantas que antes ali estavam, numa teia articulada e interdependente de vida.

Agora são mais as casas em que vivemos que suprimiram o espaço de um quintal do que as que ainda mantêm o seu. Para quem sabe que a presença das plantas e da natureza fazem parte do bem-estar humano, isto é um sarilho monumental.

Já muita gente percebeu isso, sobretudo fora deste país. Na falta de espaços à porta de casa, lembraram-se de usar o tecto do edifício, isolando-o, para plantarem ali um jardim.

Boa malha, diria o meu amigo Maravalhas. O mesmo digo eu. Refrigera, absorve dióxido de carbono e poluição, retém água da chuva e abre uma mão-cheia de oportunidades para que a diversidade biológica ali assente arraiais. Acha pouco? Deixe-se disso...

Ponha-se no papel de uma ave ou de uma borboleta em migração. No limite, qualquer lugar de repouso e de alimento, se possível, vale ouro vivo.

Mas as soluções não soçobraram aqui. Comecei a ouvir falar na televisão, em programas de natureza, obviamente, dos jardins verticais.

Imagine o que é uma parede no meio da cidade desenhada a cores com plantas de escasso porte, variadas. Todas as vantagens, inclusive, e muito, as estéticas, dos jardins de telhado assentam aqui como uma luva.

Se a estas paredes juntarmos uma caixa-ninho para aves cavernícolas, como alguns chapins, teremos algo mais do que carriças na Primavera a zelarem pela riqueza e equilíbrio do seu meio ambiente.

Claro que se as plantas não forem basicamente autóctones - madressilvas, roseiras-bravas, fetos, ervilheiras (será que esta é autóctone?), etc. - os nossos invertebrados não conseguirão ficar por ali. É quase um deserto vegetal.

Agora, se virmos bem, temos de reconhecer que foram as plantas quem nos ensinou o caminho. Já viu bem algum daqueles muros rústicos, pedra sobre pedra, permeados de plantas espontâneas que encontramos nas aldeias ainda por estragar com cimento e tijolo?


Por exemplo, http://www.greenpacks.org/2008/03/17/green-vertical-garden-wall-in-madrid/

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

A ria de Aveiro é um capricho

Agricultura de bocage: Canelas

Crocothemis erythraea, fêmea

Ninho de cegonha-branca

Embarcações típicas,
lembram o moliceiro

Salicórnia

Os municípios que se distribuem pela ria de Aveiro desejam atrair visitantes. Criam percursos de ar livre e natureza, como ocorre em Estarreja ou na Murtosa. Colocam painéis com informações sobre a paisagem, a cultura, a flora e a fauna das localidades que miram a água que fugiu do mar.

O insistente voo de garças e de cegonhas pelo imenso espelho de água que é esta ria não deixa cair este tesouro ecológico no esquecimento.

Algumas das aves destes habitat têm estatuto de protecção elevado, como a garça-vermelha ou o papa-ratos, e atraem a atenção de observadores. O mundo vivo que ali gravita, agrega flamingos e maçaricos-galegos, colhereiros e pernilongos, guarda-rios e águias-sapeiras, entre bandos de inumeráveis espécies que ora residem todo o ano, ora passam em migração entre locais tão distantes como a África além do Sara ou o Norte da Europa.

Não é só de aves que se faz a ria. É sobretudo de paisagens pintadas pelo sol em caprichos diferentes e nelas as ordens de plantas e animais se exprimem às centenas ou milhares como obras-primas ignoradas.

Ah, a salicórnia! Imersa e emersa, segundo a maré, consegue viver na água salgada. Ao sopro do primeiro frio de Outono enrubesce, e reverdece no resto do ano. O caniço, as muitas plantas da dunas... até a bodelha, Ficus sp.

Fluindo entre as praias de junco e os moliceiros, a ria de Aveiro é um capricho temporário da natureza.

Desenhada pelo mar, fez-se de areia e vento ao sabor das ondas.

Disse o pescador de rugas marcadas, corpo franzino, nascido, insistia, mais pobre que Jesus: a fixação da barra em Aveiro dá lanço às correntes e por isso não há raiz que sustente o moliço da ria; logo, os chocos que vêm a desovar, e com eles outras espécies, não têm onde fixar os ovos - fica o espaço tomado apenas pelos caranguejos.

Passa o sável na Primavera para desova mais acima, em rios ou ribeiros, andam ali solhas, mas a riqueza de peixe e moluscos da ria de outros tempos, menos artificiais, está agora ausente.

Permanece o sol dourado do fim da tarde, o mar que ali se aquieta, as redes que vasculham a água, e todos os bateres de asa que permanecem à procura do futuro.


domingo, 16 de agosto de 2009

Azibo primaveril

Aldeia: Santa Combinha

Sardão-ocelado

A arçã é irmã da alfazema

Azibo: um dos percursos

Milhafre

É Primavera na Paisagem Protegida do Azibo. Caminho num piso de terra batida e, por cima de corolas brancas de esteva e lilases de arçã, ao longe vejo a albufeira. Há aromas doces a bailar no ar, mesmo com nuvens temporárias de permeio.

Perto dos meus pés pousa uma sofia, uma borboleta com hábitos migradores de nome científico rebuscado, Issoria lathonia. As asas ripadas falam de muitos voos e muito talento para sobreviver. Quer aquecer às 4 da tarde, no início de Maio...

No céu, aos círculos, há dois milhafres, não longe. Quando os vejo a pairar, de olhos voltados para a vegetação em baixo, parecem um par de rapinas em busca de alimento, em altitudes diferentes. É altura de criação, chegados de África não fará muitas semanas.

Súbito, o milhafre de cima atira-se a pique: encolhe as asas e aumenta a velocidade sobre o rival.
Segundos antes desenhava a ilusão de serem um casal à caça. Percebo agora o oposto, quando voa mais próximo da copa do sobreiral. Impacto iminente… desvia! O invasor afasta-se.
Desatento, com a vastidão das flores, não percebi a expressão territorial que antecedeu a contenda.

Santolinas em flor, eufórbias que não conheço, outras plantas de que nem sei a família desfilam à medida que passeio.

Muito mais tesouros ficam na memória. Mas o relógio manda. Não dá para mais: há que regressar a casa e noutros dias... voltar.

Mais: http://www.azibo.org/intro.html

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Canelas - percurso do rio Jardim

A garça-vermelha quer que
vamos embora do arrozal
: antes
de partir para África precisa de
encher o papo com lagostins,
rãs, cobras e o que vier a jeito


Lagarta de borboleta da família
dos esfingídeos,
Deilephila elpenor

No tabual, um bispo-amarelo,
uma ave de origem africana


Em salguerinha, uma cauda-
-de-andorinha
, Papilio machaon

Uma das pequenas rãs-verdes
entre ranúnculos




Esta não era a melhor hora. Mas entre ir e não ir, a opção foi clara.

Agosto, 13.º dia. Estão quase 30 graus às 3 da tarde. Esta semana o calor veio a correr, com um atraso impensável.
Junto à linha de comboio, oferece-se à vista o trilho pela margem do rio Jardim, a partir de um painel explicativo.

Amieiros, salgueiros-negros, sanguinhos de permeio com vegetação herbácea guardam os passos dos visitantes. Pela cor apelativa, as salgueirinhas chamam mais a atenção, nossa, e de uma borboleta cauda-de-andorinha que ali anda a adoçar o probóscis.

Mais adiante as amoras, vermelhas e negras, espreitam entre os espinhos do silvado discreto, enquanto os espelhos-de-água típicos da Primavera se escoam. As plantas que ali estão falam do sítio encharcado: a tabua, os juncos, o caniço, até os salgueiros...

Aqui e ali pela margem há um tapete de ranúnculos, Ranunculus repens. A linda flor amarela, a que chamam botão-de-ouro, está ausente. Floresce por altura de Abril e Maio, mais tarde que um outro parente, o R. ficaria. A atenção recrudesce quando pequenos seres saltitam pelas suas folhas - são pequenas rãs-verdes, à coca de alguma mosca distraída. Onde há rãs há cobra-de-água, mas não deu a sorte de ver alguma.

Quase não se vêem aves. O calor fá-las assentar nas copas do arvoredo que estará despido no Inverno. Ups! Uma excepção: um bispo-amarelo, uma ave exótica fugida das gaiolas de algum cidadão, está a expandir-se. Territorial, no topo de uma tabua, em tempo agreste tira satisfações à concorrência e ocupa no ecossistema o lugar e os recursos de espécies nativas.

Aliás, há ali uma série de peças fora do lugar, o que infelizmente se vulgariza. Um lagostim-da-louisiana, exótico, foi visto na lama. Predador de ovos, de peixes e anfíbios, só não se torna uma calamidade maior porque a lontra, cegonhas e garças lhe dão cabo do toutiço, assim que o descobrem como presa, controlando pela alimentação o excesso de população deste crustáceo.

Em matéria de plantas exóticas infestantes, salta à vista a erva-pinheirinha, com raiz na água e, a seco, a erva-da-fortuna, Tradescantia fluminensis. Uma erva-das-pampas, Cortaderia sp, sul-americana a exemplo da anterior, está a querer tornar-se um problema maior.

Atrás de nós sai a voar um guarda-rios e as penas azuis cintilam ao sol.

A meio do percurso de cerca de 2 Km há uma torre. Ao subir as escadas há várias fezes secas de mamífero: raposa? Lontra? De noite, eles dizem quem manda ali...

Mais à frente espreita-se o bocage, um sistema peculiar da região de agricultura que favorece a diversidade da vida, com sebes vivas de salgueiros e amieiros.

Na borda do caminho há plantas de pequeno porte que são um luxo para os insectos. Rapá-las era um crime para quem gosta de observar a natureza. Mentastros em flor (Mentha, sp), cornichão (Lotus sp), juncos, trevos discretos e muitas outras espécies dão força a um habitat adequado a numerosos artrópodes, com destaque para insectos como a estranhas borboletas da família do ziguenídeos.

No estradão de terra, alto. Nunca vi esta lagarta. Parece ter terminado a fase larvar, já não se alimenta mais, e deambula em busca de um solo interessante para se enterrar e passar à próxima fase, de crisálida. Uma foto. Curioso, levanto-a com cuidado, corpo tenro, e em poucos segundos outra novidade: vomita um líquido verde, fluido, no meu polegar, junto à sua boca... não cheira muito mal. Colocada no mesmo sítio, já entre ervas, não vá passar ali outra vez um automóvel.

Ao longe agora já se vê uma águia-sapeira, e não longe, em Salreu, há cegonhas a voar aos círculos, numa coluna de ar quente. Uma garça-vermelha voa distante, para lá, para cá. Já percebi, quer vir alimentar-se no arrozal. Aterra em cima dos salgueiros distantes e fica à espreita: sabe que não demoraremos ali. Mais adiante uma garça-real, maior.

Um percurso de natureza é sempre diferente. É artesanato cultural. Faz bem andar a pé, desenvolve o sentido de observação, instrui e aquieta a mente, sobretudo quando assoberbada de preocupações de vária índole. Confesso que numa cidade, nada disso me acontece.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Gaivota juvenil no telhado

Esta gaivota, Larus michaelis, ou gaivota-de-patas-amarelas, está a esquecer-se que veio do mar e fica em terra, a sobreviver de migalhas. A maior parte já nem migra... se migrar perde o lugar. Já era assim entre nós, espécie humana, nas várias épocas dos Descobrimentos.


Às vezes sinto-me uma gaivota no telhado a dezenas de quilómetros do mar.
Ao pôr-do-sol vejo andorinhões às corridas, atrás de insectos que não vejo, adivinho. Por momentos cruzam-se com os morcegos que os imitam.
Até reparo na Lua, a esticar-se, em bicos de pés, corada, para espreitar o astro-rei, antes que este caia com retorno demorado pelo horizonte abaixo.
Não tenho o peito alvo, impoluto, das gaivotas mais velhas, e abrem-se-me todas as opções do mundo, pelo menos as que a vista alcança.
Os meus pés falam do mar, mas nasci no cimento, a terra de que me alimento, e não se prevê que parta para onde o meu coração vai, nas montanhas.
Afinal, não há que ter grandes dúvidas: sou quase avô... e até já comecei a ver mal ao perto.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Cuidar dos abelhões!


Abelhão: Bombus sp


Quando passam por alguém a voar, o pessoal foge como de algum dos cavaleiros do Apocalipse. Juízo: o bicho não tem nem espada nem talento de espadachim! Ele só pensa em trabalhar.

Um olhar breve: quando vasculham uma flor ou se encontram, infelizmente com frequência, caídos no chão, não é precisa lupa - percebe-se que são pincéis vivos, incansáveis, que fertilizam as plantas coadjuvados pelos demais agentes polinizadores.
Juntam-se aqui o vento e as abelhas, as borboletas e vespas, até formigas e joaninhas, entre outros.


Seria difícil calcular as perdas irreparáveis se carregássemos num botão agora e os abelhões, as suas diversas espécies, caíssem no abismo sem fundo da perda de diversidade biológica.

As outras forças vivas polinizadoras, por maior que fosse o esforço despendido, nunca lhes cobririam a ausência. Restaria pôr o Exército, a Marinha e a Força Aérea, mais trabalhadores aos milhares e voluntários durante grande parte do ano de pincel na mão a passar desta flor para aquela, entre plantas, para que os frutos não diminuíssem drasticamente.


Por estas razões e muitas mais, uma associação inglesa de conservação da natureza lança o alerta perante os elevados níveis de mortalidade dos abelhões e apela: Vamos salvar estes animais!

A síntese está em Bumblebee Conservation Trust


segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Céu

Ao lusco-fusco o céu é a tela de um pintor de renome.

A diferença é que não precisa que se lhe ponha nem tinta nem obra-prima. Já de si é o que ele próprio é, mesmo sem olhar atento: perfeito.

Quando as estrelas o miram, tímido, desaparece, sem dizer até amanhã.

Hoje e amanhã


Ali vai a lagarta, peluda que eu sei lá: corre no caminho sem apelo nem agravo. Olho-a e parece dizer-me: "Que vai ser de mim, agora que não consigo comer mais?". Manda o instinto que se enterre adiante em terra fofa.
Depois de perder o tino, em tempo certo, desabrocha, parece uma flor a linda borboleta.


Ao ouvir a dentada de gigante na maçã, a pequenina semente estremece perante a morte: "Acabaram-se-me os dias!". Quando o burrico defeca sai incólume, estonteada. Desmaiada por semanas, acorda na escuridão: "Nunca serei uma grande árvore...".
A chuva contradi-la. Toca-lhe. Discutem as células, dividem-se: umas mandam-na abrir-se, enlamear-se e subir; as outras afundam em sentido oposto. Uma luz surge, é a esperança, pensa... não, é o sol! "Poderei vencer cascos, doenças, predadores e vir a ser uma árvore generosa?". Passa o vento e diz: "Verás que sim".


O momento mais escuro da noite dá o sinal de partida ao Sol, do outro lado do Globo, para correr a alumiar o outro turno da vida.

Os dias difíceis de hoje são a passagem que nos transporta para um amanhã melhor. Não há por que sofrer demasiado ante as pontes do tempo.
Mesmo sem asas, conseguiremos voar entre as constelações...

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

O triunfo dos riscadinhos



Chamam-lhes riscadinhos.
Eu cá confesso que desconhecia que eles andavam por aqui à volta, entre bosques e jardins, mas andam mesmo, conforme ficou provado na última noite de Julho de 2009, numa actividade de Ciência Viva no Verão.


Os riscadinhos são caracóis da espécie Cepaea nemoralis. O curioso é que estão em curso estudos científicos que decorrem em 14 países, inclusive em Portugal.

Quando era miúdo, antes de ter idade para frequentar a escola, ainda me lembro que tentei por várias vezes fazer corridas com eles, no quintal da minha avó, possivelmente entre o olhar guloso dos melros lá de casa.
Curiosamente, a ideia que retive é que não me lembro de nenhum que renunciasse ao direito de se despistar. Ia eu lá imaginar na altura que estes bichos hermafroditas iriam estar na mira de tantos cientistas!

Para saber mais, e até participar, basta ir a:
http://www.evolutionmegalab.org/pt_PT/information/viewBackground

Serra da Estrela: Lagoa Comprida sob nuvens

No cervunal

Processionária?

Indicador de percurso

Ícaro

A Mata do Desterro conta com 3 percursos


Julho de 2009, 23.º dia.
Nuvens no céu, logo de manhã.
Um Verão primaveril.
Férias em curso, vou visitar o CISE.
Chegado, afinal é dia e hora de participar na Ciência Viva no Verão.
Ainda há uma vaga!

O tema é anfíbios e répteis da serra da Estrela.
O primeiro passo levou à mata do Desterro. Apesar do tempo nublado, o caminho de terra mostra borboletas territoriais da subfamília dos satirinídeos, como a semele (H. semele) e a circe (Brintesia circe).

Onde cai água, a vegetação emerge luxuriante, com algo que talvez sejam miosótis de permeio com mentastros, cornichão e quejandos. Um habitat perfeito para o lagarto-de-água e muitos artrópodes.
Anda ali meia enregelada o que me parece um ícaro (P. icarus), evidentemente da família dos licenídeos. Entreabre as asas por momentos, um azul perfeito.

A humidade no solo desvenda um cortejo incessante de lesmas escuras, enormes, em trânsito.
Numa curva desce para o rio um grande medronheiro: nunca vi um assim. Uma borboleta trôpega está no chão. Será uma processionária-do-pinheiro?

Sem sol, répteis e anfíbios não se mostram muito. Haverá ali cobras diversas, quiçá uma víbora-cornuda, que nunca vi em plena natureza.
As margens do rio Alva são luxuriantes.

Amieiros antigos com tronco coberto de musgo e fetos aqui e ali à maneira de epífitas tropicais intercalam-se com algum salgueiro ou carvalho. Há algumas exóticas a pedirem que lhes tratem da saúde, o que aconteceu logo na semana seguinte.
No Inverno, vê-se como os níveis do rio sobem.

O orientador do percurso é José Conde, biólogo. Fala dos vestígios de lontra nas margens, do melro-de-água, da toupeira-de-água.
Ao atravessar o rio entre pedras polidas pela erosão, uma gafanhoto verde-luz e a rã-ibérica mais pequena que já vi algum dia. Há mais acima um poço antigo da mata, coberto à superfície de detritos vegetais. Vista arguta, caíram ali dois licranços. O tempo não aquece.

São 15h00, Lagoa Comprida. Sandes de presunto e queijo comem-se nos
estabelecimentos do local, entre uma conversa de uma águia que tem andado não longe dali.

O cervunal é uma paisagem de outro mundo, mas está um frio de rachar.
Um investigador de Évora encontrou ali uma espécie nova de aranha.


No regresso, uma forma velocipédica serpenteia pelo
Nardum, aos meus pés: um fura-pastos? Vai mais além, está ali. Afinal era um lagarto-de-água, um macho, com ácaros na região lombar. É vê-lo esconder-se. Entre o bosque-miniatura do cervunal, há vida abundante, a uma tépida temperatura.

O cervunal é uma pastagem que funciona como uma esponja que absorve a água, à maneira de uma turfeira, e a vai soltando ao longo do ano.


Mais: http://www.uc.pt/grasses
http://www.cise-seia.org.pt/

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Mata do Desterro: controlar plantas infestantes




Dia 29 de Julho de 2009, entre as 14h00 e as 17h00, decorreu na Mata do Desterro uma sessão prática de combate a plantas infestantes aberta à população.

Com a afluência de cidadãos da região, dos bombeiros e de alguns funcionários do Instituto de Conservação da Natureza e da Biodiversidade, um grupo de botânicas da Universidade de Coimbra ensinou como reduzir os efeitos nefastos produzidos pelo avanço das mimosas, Acacia dealbata, cuja origem se situa na Austrália.

O método assenta basicamente num corte transversal de mais de meio metro da casca da árvore, devendo previamente ser arrancados da terra os rebentos periféricos, cuja existência iria possivelmente possiblitar a regeneração do espécime a posteriori através das suas amplas raízes.
O evento foi organizado pelo Centro de Interpretação da Serra da Estrela, em Seia.

Mata do Desterro - borboletas

L. roboris

L. phlaeas e L. tityrus

Z. trifolii e S. spini

N. antiopa

Nas margens do rio Alva ou mais além, duas ou três idas à mata do Desterro deixaram-me com vontade de lá voltar.

A 10 Km de Seia, perto da Cabeça da Velha, ao pé da aldeia de Nossa senhora do Desterro ficar desterrado por um tempo soube bem.
Onde um tufo de plantas do género Mentha conhecidas como mentastros, se junta a florir, há uma série de insectos em que poucos reparam, porém em grande agitação. Alimentam-se, defendem o seu naco, namoriscam, exalam feromonas, em suma, fazem 30 por uma linha.

Os mais vistosos, sem que seja consensual para todos, serão as borboletas. Ao contrário das abelhas não picam, mesmo quando nos metemos com elas.
Ambas polinizadoras, prestam serviços valiosos na fertilização de numerosas plantas, uma vez que o vento, por si só, não dá conta do recado.

As espécies foram muito interessantes, por isso ficam apenas algumas nas fotos. A primeira, a antiopa, tem uma memória especial: quando vinha embora, parou no caminho por um minuto no estradão...

Uma cabra-loura tardia?



Tinha ideia de que as últimas cabras-louras, Lucanus cervus, adultas se viam até início de Julho.

Mas afinal, na última semana de Julho deste ano de 2009, com um Verão mais frio ainda do que o do ano passado, vi duas fêmeas deste coleóptero, em Seia.

A penúltima observação ocorreu pelas 17h00 de 27 de Julho, na foto, em São Romão. A última, também fêmea, foi pelas 10h00 de 30 de Julho, no caminho empedrado do pequeno bosque do Centro de Interpretação da Serra da Estrela, em Seia.

Este insecto é particularmente grande. Os machos podem chegar aos 6 ou 7 cm e têm uma vida adulta breve. Costumam aparecer os primeiros em Maio e os últimos em Julho. A sua vida larvar, enterrada em troncos ou raízes apodrecidas de carvalho, é bem mais longa podendo atingir, segundo os investigadores 5 anos.