quarta-feira, 26 de maio de 2010

As primeiras cinzentinhas

 Leptotes pirithous... à falta de melhor nome, é uma cinzentinha!


Vi a minha primeira cinzentinha há dois dias, meia trôpega, fosse pela eclosão recente fosse pela aragem fria da manhã.

Entre tojo e urze, esvoaçou sobre a terra, arisca, e desapareceu num voo que parecia às cambalhotas.

Desde então não parei de as ver. Inclusive hoje, à hora de almoço, vi duas em aceso namorico, com aqueles bateres de asas vibrantes, pousadas, até que de costas voltadas, pimba, como diria o moço da cantiga do mesmo estilo!

Não me fica bem essa curiosidade, à distância, mas é difícil resistir, embora sempre de maneira a não perturbar os ritmos. Grande mecânica a do ADN que dispara essas pulsões, com feromonas à mistura, para perpetuar o seu sonho de eternidade.

E... cuidado com este ADN! Estamos perante a borboleta da família dos Licenídeos mais fácil de encontrar daqui até ao Outono, em várias gerações, com uma distribuição, pelo menos em Portugal, enorme.


Sem a fímbria dourada das raridades, ou das ameaças de extinção, se a minha memória não vai de patins, as plantas que hospedam a postura desta espécie são as do grupo das ervilheiras e afins, tais como os codessos e giestas.

Nunca vi a lagarta desta espécie, que será certamente pequenita. De quem usa lentes progressivas e para quem as gralhas de imprensa cada vez são mais miméticas,  não há muito a esperar: vê-la só em grande contraste, à lupa, preto no branco...

Feito o somatório, fica na ponta do nariz, para não trocar os olhos, o voo repetido destas cinzentinhas especiais, verdadeiras campeãs da sobrevivência, cujo voejar entrelaça a luz das constelações e o cheirinho das flores silvestres.

sábado, 15 de maio de 2010

Em quinze dias



Eurranthis plummistaria (de Villers, 1789), macho


Há 15 dias, sem contar, vi de manhã muitos indivíduos deste geometrídeo, do grupo das borboletas nocturnas com actividade diurna. Machos, muitos, pelo menos uma fêmea. Tropeçava literalmente neles. Apenas uma Vanessa cardui andava ao vento frio, numa tímida aberta de sol.

Hoje passei com mais tempo nos mesmos sítios, vi só uma a fugir do caminho ante o vento gélido que requer casaco de Inverno por cima da camisola, a mil metros de altitude na serra da Freita.

Será que vem outra geração dentro de dois meses? Ou o metabolismo deste insecto arisco, que não me pousa na mão, arrastará mais um ano, para o próximo Abril, a sua eclosão?

A flor amarela da carqueja domina, mas os sanguinhos-de-água apenas mostram a folha verde. A 40 metros de altitude, não longe do mar, já tiveram folha, flor e até já vi bagas vermelhas esta semana, enquanto a primeira cabra-loura, Lucanus cervus, macho, marcava o ritmo certo num ano atrasado no famoso carvalho-maravilha.

A paisagem é bonita, as Silene acutifolia têm uma cor carmim intensa, ainda há Crocus pelo caminho e as centáureas silvestres estão a aparecer. Mas sem o bater de asa destes insectos que imitam as flores, qualquer montanha fica mais pequena e o horizonte mais acanhado.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

E ontem ouvi-os à janela!

Ontem ouvi-os pela primeira vez.
Só vi dois, ao entardecer, quando o frio baixou os insectos e os andorinhões traçavam elipses multidireccionais no "vale cavado" entre prédios caóticos, também aqui depressões verdes ocupadas por melros, toutinegras-de-barrete, pardais, pombas, gatos e gaivotas-de-patas-amarelas, afastadas do mar.

Tal como hoje. Na luz dourada o que parece preto, afinal é castanho-escuro, penas reluzentes num voo matemático.

Só dois, supõe-se que sejam um casal. Fico curioso: será que dentro de pouco mais de um mês já verei as crias a voarem com eles?

A probabilidade é serem Apus apus. E mesmo sem a coroa do andorinhão-real, Apus melba, são tudo menos banais: a agilidade do voo, o som estridente que agrada paradoxalmente aos ouvidos, parece dizer: Chegámos! Somos mínimos, mas vencemos o deserto do Sara, mais uma vez.