A garça-vermelha quer que
vamos embora do arrozal: antes
de partir para África precisa de
encher o papo com lagostins,
rãs, cobras e o que vier a jeito
vamos embora do arrozal: antes
de partir para África precisa de
encher o papo com lagostins,
rãs, cobras e o que vier a jeito
Esta não era a melhor hora. Mas entre ir e não ir, a opção foi clara.
Agosto, 13.º dia. Estão quase 30 graus às 3 da tarde. Esta semana o calor veio a correr, com um atraso impensável.
Junto à linha de comboio, oferece-se à vista o trilho pela margem do rio Jardim, a partir de um painel explicativo.
Amieiros, salgueiros-negros, sanguinhos de permeio com vegetação herbácea guardam os passos dos visitantes. Pela cor apelativa, as salgueirinhas chamam mais a atenção, nossa, e de uma borboleta cauda-de-andorinha que ali anda a adoçar o probóscis.
Mais adiante as amoras, vermelhas e negras, espreitam entre os espinhos do silvado discreto, enquanto os espelhos-de-água típicos da Primavera se escoam. As plantas que ali estão falam do sítio encharcado: a tabua, os juncos, o caniço, até os salgueiros...
Aqui e ali pela margem há um tapete de ranúnculos, Ranunculus repens. A linda flor amarela, a que chamam botão-de-ouro, está ausente. Floresce por altura de Abril e Maio, mais tarde que um outro parente, o R. ficaria. A atenção recrudesce quando pequenos seres saltitam pelas suas folhas - são pequenas rãs-verdes, à coca de alguma mosca distraída. Onde há rãs há cobra-de-água, mas não deu a sorte de ver alguma.
Quase não se vêem aves. O calor fá-las assentar nas copas do arvoredo que estará despido no Inverno. Ups! Uma excepção: um bispo-amarelo, uma ave exótica fugida das gaiolas de algum cidadão, está a expandir-se. Territorial, no topo de uma tabua, em tempo agreste tira satisfações à concorrência e ocupa no ecossistema o lugar e os recursos de espécies nativas.
Aliás, há ali uma série de peças fora do lugar, o que infelizmente se vulgariza. Um lagostim-da-louisiana, exótico, foi visto na lama. Predador de ovos, de peixes e anfíbios, só não se torna uma calamidade maior porque a lontra, cegonhas e garças lhe dão cabo do toutiço, assim que o descobrem como presa, controlando pela alimentação o excesso de população deste crustáceo.
Em matéria de plantas exóticas infestantes, salta à vista a erva-pinheirinha, com raiz na água e, a seco, a erva-da-fortuna, Tradescantia fluminensis. Uma erva-das-pampas, Cortaderia sp, sul-americana a exemplo da anterior, está a querer tornar-se um problema maior.
Atrás de nós sai a voar um guarda-rios e as penas azuis cintilam ao sol.
A meio do percurso de cerca de 2 Km há uma torre. Ao subir as escadas há várias fezes secas de mamífero: raposa? Lontra? De noite, eles dizem quem manda ali...
Mais à frente espreita-se o bocage, um sistema peculiar da região de agricultura que favorece a diversidade da vida, com sebes vivas de salgueiros e amieiros.
Na borda do caminho há plantas de pequeno porte que são um luxo para os insectos. Rapá-las era um crime para quem gosta de observar a natureza. Mentastros em flor (Mentha, sp), cornichão (Lotus sp), juncos, trevos discretos e muitas outras espécies dão força a um habitat adequado a numerosos artrópodes, com destaque para insectos como a estranhas borboletas da família do ziguenídeos.
No estradão de terra, alto. Nunca vi esta lagarta. Parece ter terminado a fase larvar, já não se alimenta mais, e deambula em busca de um solo interessante para se enterrar e passar à próxima fase, de crisálida. Uma foto. Curioso, levanto-a com cuidado, corpo tenro, e em poucos segundos outra novidade: vomita um líquido verde, fluido, no meu polegar, junto à sua boca... não cheira muito mal. Colocada no mesmo sítio, já entre ervas, não vá passar ali outra vez um automóvel.
Ao longe agora já se vê uma águia-sapeira, e não longe, em Salreu, há cegonhas a voar aos círculos, numa coluna de ar quente. Uma garça-vermelha voa distante, para lá, para cá. Já percebi, quer vir alimentar-se no arrozal. Aterra em cima dos salgueiros distantes e fica à espreita: sabe que não demoraremos ali. Mais adiante uma garça-real, maior.
Um percurso de natureza é sempre diferente. É artesanato cultural. Faz bem andar a pé, desenvolve o sentido de observação, instrui e aquieta a mente, sobretudo quando assoberbada de preocupações de vária índole. Confesso que numa cidade, nada disso me acontece.
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