sábado, 14 de agosto de 2010

O mundo amarelo do funcho malandro



As flores amarelas em forma de guarda-chuva estão abertas por onde vá. É essa forma que mais denuncia o grupo familiar das Umbelíferas, onde cabem as nossas cenouras, o embude e, entre outras plantas, até a ruda.
Nos baldios das ruas, das estradas, dos caminhos, só quem anda muito distraído é que não vê o funcho vadio em flor.
Esta semana, num justo momento de ócio, deparei com um destes vegetais. Mais alto que eu uns decímetros, com caules atirados na vertical num diâmetro horizontal de um metro, as flores estavam polvilhadas de insectos.
Catafedes vermelhuscos, moscas a parecerem abelhas (foto), uma ou outra abelha a sério, muitas vespas, moscas a simularem vespões, outras tão pequenas que à forte luz do sol nem dava para perceber...
O contraste com a vegetação em volta era notório. Parecia a cidade dos insectos no meio de uma galáxia iluminada, com vasto tráfego, e cada um sem qualquer dúvida sobre o que andava ali a fazer!
Olha se eu fosse sempre assim...
Em baixo, num castanho a puxar o dourado, descansa uma libelinha, claramente uma fêmea do género Orthetrum, se é assim que se escreve. Estará com olho de crocodilo a mirar a caça?
Voltei ao micromundo das flores de guarda-chuva do funcho. Imaginei-me por momentos com um tamanho guardador do talento de voar por entre aquelas formas geométricas, matemáticas, de uma cor limpa, perfeita, pura. Como seria fantástico.
Era difícil de ignorar: num simples pé de funcho malandro, cuja rama não há-de passar naturalmente do Outono, o que não haveria também para cavar das interacções entre espécies que quase não conheço, as suas funções na natureza, os seus papéis, a valiosa troca de animais polinizadores e de planta polinizada, onde a estética se recria sem pintores e escultores, sob o céu azul, a brisa quente e um sol revelador...

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Arbusto das borboletas

Issoria lathonia em budleia

Diz-se que os ingleses chamam arbusto das borboletas às budleias, no seu linguajar.
E é facto que qualquer jardim que se queira engalanar de borboletas, se tiver algumas, não precisa de olhar para outros lados para contemplar uma mão-cheia de espécies.
Depois de saber isto, disse o caseiro quando estive de férias: «Se é adepto das borboletas, basta andar à volta das flores desta planta».
Não disse tudo o que pensei: «Mas olhe que ali em baixo, na berma do caminho, há plantas silvestres que escaparam à «limpeza» que não ficam atrás». Vi que não percebeu...
Referia-me àquelas plantas chamadas com frequência daninhas, não o sendo. Por baixo de uma cerca eléctrica de gado, ao longo de oito metros de comprimento e 30 centímetros de largura, as Mentha, os Echium, os dentes-de-leão e algumas outras ali caídas pela fortuna do tempo, juntavam todos os dias licenídeos cinzentos (L. pirithous, L. boeticus), acobreados (Lycaena phlaeas, L. tityrus), uma das nocturnas com actividade diurna (Macroglossum stellatarum), as Pyronia tithonus, P. cecilia, e até uma das Melitaea, entre outras. As abelhas melíferas, as moscas vestidas de abelhas e vespas também não faltavam, polinizadores importantes no puzzle da vida.
Echium, flor lilás; Mentha, flor branca; L. phaleas
Confesso que aquele miniprado metia as budleias no bolso, embora este ano tivesse visto espécies que não vira antes noutros locais. Ainda assim, nos cardos floridos a caminho da Lagoa Comprida, essas espécies estavam lá em maior abundância, conforme verifiquei.
Não serão por isso as budleias a salvação da fasquia da biodiversidade centrada nas borboletas. São um apoio à falta de espaços naturais conservados, sobretudo para as espécies migradoras, necessitadas de descanso e alimentação.
De regresso ao Porto, vejo inúmeras budleias em flor nos terrenos à volta do estádio do Dragão... sem borboletas. Quem falou há anos de uma Primavera sem andorinhas, nunca terá imaginado que isso poderia acontecer com borboletas...
O défice deverá estar nas plantas hospedeiras - muitas delas ervas da berma dos caminhos, urtigas, pessegueiros, umbelíferas, etc. - cada vez mais escassas por força da gana de esterilização de quem trata os espaços públicos: ele é herbicida, pesticida, fungicida e outros idas, até que nós próprios também imos.
Espargir esses químicos pelos passeios e paredes mata bichos, plantas. Mas não só. Eles vão pelas sarjetas, chegam ao rio, acumulam-se no mar. Entram na cadeia alimentar, ficam na sardinha, crescem na pescada, no linguado, vêm à mesa, e os meninos comem, comem os pais, os avós...
Afinal que interessam as borboletas à conservação e ao bem-estar humano?
Ontem vi este filme: é uma boa síntese.